Principal setor da economia do Mato Grosso do Sul, agronegócio é impactado pelas ondas de calor e exige adaptações às mudanças climáticas
Texto: Gustavo Hehn | José Nivaldo | Dayranny Amorim | Grazielly Maragon
Edição: Melissa Ramos
Nos últimos meses do ano, Mato Grosso do Sul atingiu temperaturas extremas que resultaram tanto na perda da qualidade de vida quanto em prejuízos para diversos setores da economia. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), setembro foi o mês mais quente dos últimos 80 anos, afetando globalmente todas as formas de vida. O aquecimento foi agravado pela emissão de gases que geram o efeito estufa.
O agronegócio, um dos principais setores da economia do estado, foi afetado diretamente em sua produção e rentabilidade, com prejuízos na produção vegetal e animal que podem se estender à qualidade dos produtos comercializados. Ou seja, o calor prejudica produtores e consumidores.
O prejuízo econômico no estado é considerável, uma vez que o agronegócio responde por 95% das exportações, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul). De acordo com a entidade, produtores perderam seus investimentos nas lavouras e precisarão refazer o plantio.
O agricultor de pequeno porte Roberto Ferreira, afirma que teve grande prejuízo nesses últimos meses. “O calor intenso e o mormaço fizeram com que algumas plantas morressem, algumas queimaram”. O produtor relata que não estava preparado para as altas temperaturas, por isso a perda. “Foi algo que nos surpreendeu. Perdemos bastante, ficamos sem conseguir plantar e vender alface, por exemplo”.
Roberto, que trabalha no ramo desde fevereiro, tomará medidas para evitar que a situação se repita. O replantio da horta e a criação de uma estufa para receber melhor o calor e a luz solar, são algumas das iniciativas. “Na hidroponia, por exemplo, os tubos esquentam muito e a água que era para diminuir a temperatura já chega quente, então fica difícil. Vamos nos adequar, colocar uma sombrite para que a gente possa voltar a plantar e vender como antes”.
A produção animal
Animais e plantas são vítimas das temperaturas extremas. O zootecnista Vinnicius Moroskoski explica que são muitos os desafios enfrentados pelos pecuaristas. “Todos os animais vão reagir de maneira ruim à onda de calor. Ela vem prejudicando principalmente os suínos, que têm dificuldade para se manter na temperatura ideal devido à falta de glândulas sudoríparas e não secretam suor como outros animais. Em produções maiores, os animais são criados em ambientes totalmente climatizados”.
O zootecnista afirma que a temperatura é um dos principais fatores considerados na produção animal. Ele recomenda cuidados específicos, como fazer o manejo dos bovinos em horários de temperatura mais baixa, manter um sombreamento no ambiente, possibilitar a passagem de vento e disponibilizar água fresca.
Vinnicius também atenta para a preocupação com a qualidade dos produtos de origem animal, que são afetados desde a produção até a conservação. Com o calor, os animais aumentam o nível de estresse e passam a se alimentar menos, comprometendo a qualidade do produto e diminuindo a concentração de proteínas. Ele alerta ainda para possibilidade do desenvolvimento de microrganismos nos alimentos, como alguns fungos e bactérias que se reproduzem em ambientes acima de 39°C. Estes alimentos precisam ser conservados adequadamente. “Existem proteínas que às vezes sofrem desnaturação e perdem qualidade, alguns minerais fotossensíveis, vitaminas que poderiam ser benéficas para o ser humano perdem sua disponibilidade, e podem sim comprometer a saúde nesses casos que envolvem os microrganismos”.
A população que consome os produtos de origem animal também pode ser prejudicada financeiramente, em razão do aumento dos custos de produção e da escassez dos produtos. A preocupação se estende até o primeiro semestre de 2024, cuja previsão é de temperaturas ainda mais altas por causa do fenômeno do El Niño. Como alertado pelo agricultor Roberto Ferreira, é vital que os produtores se preparem para lidar com as mudanças climáticas.
Vítima ou culpado?
O agronegócio pode ser a própria origem do problema? O projeto MapBiomas, que envolve ONGs, universidades e empresas de tecnologia, constatou que a agropecuária foi responsável por 90% de toda a área desmatada do Brasil. O manejo de animais, uso de maquinário e transporte poluentes, e a utilização inadequada de fertilizantes são agravantes da emissão de gases do efeito estufa.
Porém, o setor possui papel fundamental para reverter a situação. Ao promover mudanças no modo de produção, ele se torna responsável por combater o aquecimento global através de métodos mais sustentáveis. Algumas práticas já estão sendo aplicadas como a utilização de energias renováveis, manejo correto do solo e dos animais e o reflorestamento das áreas desmatadas. A gestão de recursos naturais e as novas tecnologias auxiliam no desenvolvimento do agronegócio menos agressivo ao meio ambiente e mais benéfico para todo o planeta.
Pessoas em situações de rua encaram uma nova dificuldade na capital: conseguir sobreviver às ondas de calor
Ao andar pelas ruas de Campo Grande não é difícil encontrar pessoas abrigadas debaixo de árvores. Na Praça Ary Coelho está José, de 43 anos, sentado à beira da fonte central enquanto termina uma “quentinha”. A comida foi doada de um restaurante próximo e ele almoça sozinho, em silêncio.
De acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas, que desenvolve pesquisas sobre população em situação de rua em todo país, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Campo Grande, 500 pessoas viviam nesta condição em 2021. Para essa população, cumprir simples recomendações para enfrentar os dias de calor intenso, como consumir bastante líquido e se proteger do sol no horário de pico (das 12 às 15 horas), pode ser um desafio.
Apesar de ser um ambiente aberto e rodeado de árvores, o dia está quente e abafado. A única brisa fresca é da Fonte Luminosa que, de tempo em tempo, espirra água para cima como se fosse um show. No horário do almoço, a praça está mais vazia que o normal, mas alguns trabalhadores com uniformes estão sentados nas mesinhas ao redor da praça para aproveitar a sombra das árvores. O calor é intenso e José não toma nenhum líquido enquanto se alimenta. Quando questionado sobre a temperatura, reclama da dificuldade de conseguir água fresca e, quando consegue, precisa fracionar para tomar ao longo do dia. “Às vezes, as pessoas dão dinheiro e a gente compra. Outras vezes, os comércios aqui perto dão a água”.
A história de José não é única. Ao sair da praça, é possível avistar outra pessoa deitada embaixo de uma árvore, dormindo entre as ruas 14 de Julho e Afonso Pena, próximo ao Relógio Central. A segunda maior dificuldade relatada por pessoas em situação de rua é encontrar ambientes com sombra, já que, na maioria das vezes, não é permitido ficar embaixo dos toldos das lojas.
A Fraternidade sem Fronteiras é uma organização humanitária que faz trabalhos sociais em diversas cidades no Brasil. O projeto Fraternidade na Rua, desenvolvido pela organização, acolhe pessoas em situação de rua. Segundo o coordenador do projeto, pastor Milton Marques, recebem lugar para ficar e oportunidade de trabalho dentro da própria Fraternidade, vendendo produtos e cuja parte da renda fica para o próprio acolhido.
Outros projetos, ONGs e centros públicos também têm procurado medidas para auxiliar essas pessoas na Capital. O Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua, Centro POP, atende oito horas por dia, de segunda à sexta-feira, fornecendo refeições, espaço para higiene pessoal, apoio para conseguir documentos pessoais, informações sobre trabalho e sobre acesso a direitos básicos, e em parceria com a Águas Guariroba, concessionária de saneamento básico da capital, também tem oferecido copos com água fresca nestes dias de calor.