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Reportagem 96

Um novo meio de narrar o esporte

Com a convergência das mídias tradicionais surge um novo jeito de se ouvir rádio

Texto: Carla Andréa | Carolina Rampi Gimenes
Ilustração: João Soares Rampi


Desde a ascensão do rádio no Brasil por volta dos anos 1930 muita coisa mudou nos meios de comunicação. Televisão, aparelhos de rádio portátil, internet, redes sociais… A convergência comunicacional é inevitável e chegou também ao rádio. Por ele podemos ouvir músicas, programas de variedades, notícias e esportes. Mas as rádios tradicionais, que hoje atuam principalmente por FM, vêm perdendo um pouco do seu espaço para a veiculação de áudio por streaming (tecnologia de transmissão em tempo real de conteúdo audiovisual online), para podcasts (conteúdo de áudio que pode ser consumido a qualquer momento) e para a web rádio.

Ilustração: João Soares Rampi

Essa última plataforma digital é um espaço de produção de conteúdo sonoro que realiza suas transmissões de forma totalmente online, o que a torna diferente de uma rádio tradicional, que usa ondas eletromagnéticas para chegar até um receptor. Em função disso o custo de instalação de uma rádio via internet é menor do que de uma rádio tradicional, pois não é necessário um transmissor. Funcionando através de streaming as web rádios não tem seu alcance limitado pela capacidade de propagação das ondas eletromagnéticas, podendo ser ouvidas por todo o mundo, desde que haja uma conexão à internet. Outro ponto relevante atualmente é que essa plataforma de transmissão não precisa licença do Ministério das Comunicações enquanto as rádios OM e FM precisam de concessão de uma porção do espectro eletromagnético, já que o mesmo é limitado.

Segundo a pesquisa Inside Radio, realizada pela Kantar Ibope Media, feita em 13 das 35 regiões metropolitanas brasileiras, o tempo médio de consumo de rádio via internet aumentou de 2h40m em 2019 para 2h55m em 2020. Outra investigação realizada pelo órgão entre os meses de abril e junho do ano passado constatou que 9% da população destas regiões metropolitanas haviam ouvido uma rádio web nos últimos trinta dias, representando um aumento de 38% em relação ao mesmo período em 2019. A pesquisa também mostrou que naquele período da pandemia 46% dos entrevistados usaram serviços de streaming de áudio.

As rádios que atuam na internet são bastante segmentadas. Há emissoras voltadas para a música (sertaneja, gospel, rock etc.), notícias, entretenimento ou esportes. As web rádios esportivas vem ganhando espaço por não apenas narrar os eventos em detalhes mas por trazer estatísticas, informações relacionadas ao tema, entrevistas e debates em torno das mais variadas modalidades. Elas também podem contar com um time variado de colaboradores, que inclui narradores, repórteres, cronistas e/ou comentaristas.

Joel Silva, 49, jornalista que iniciou no rádio como operador de som em 1986, conta que naquela época as rádios enviavam apenas o narrador e o operador de áudio aos estádios para a transmissão de uma partida de futebol. Ele diz que hoje o profissional que narra fica no estúdio da rádio, assistindo o evento pela televisão. Procedimento que as web rádios esportivas adotaram. A diferença é que o ‘estúdio’ pode ser qualquer ambiente, como por exemplo, a casa do profissional.

O narrador de web rádio não precisa detalhar cada lance de uma partida de futebol, pois isso pode ser repetitivo e cansativo para o ouvinte. “A linguagem esportiva mudou. Você não tem que narrar tanto o jogo. E paralelo a isso você está conversando. Antes não. A linguagem muda muito, ela permite um pouco mais de conversa e brincadeira, deixa a coisa mais leve, tem um pouco mais de tranquilidade” explica Joel. Essa forma de conversa entre narrador e ouvinte permite uma maior interação entre eles pelo fato da web rádio ser um espaço que funciona via internet. Além disso, a estratégia das emissoras online de aderir à divulgação via redes sociais, principalmente Instagram ou Whatsapp, tem atraído mais pessoas a acompanharem jogos de futebol por essa plataforma.

Caroline Carvalho, 25, diretora de comunicação do Sindicato de Jornalistas do Mato Grosso do Sul (SindJor MS) diz que as web rádios são veículos extremamente lucrativos em função dos custos de funcionamento, o que leva os empresários a ganhar em cima da força de trabalho alheia. Em contrapartida, Aldo Luiz Siqueira, 21, dono da web rádio Esportes Total argumenta que “em web rádio mais perde dinheiro do que ganha”.

O sustento financeiro do jornalismo – seja ele na TV, rádio ou impresso – é a publicidade. Por vezes, no entanto isso depende de relações políticas. Thiago Rezende, que comanda a web rádio Futebol na Canela conta com a Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul) como patrocinadora, mas diz que em troca o futebol sul-mato-grossense tem que ter um espaço de divulgação na programação da plataforma. “A coisa ainda fica mais lamentável se considerarmos o ‘vício’ do sistema brasileiro de comunicação em verba pública de publicidade oficial, em todas as esferas e poderes, causando uma dependência financeira de governos que, não raro, usam isso como espada para conter a liberdade de imprensa” diz Clayton Sales, radialista da Rádio Educativa e ex-presidente do Sindjor MS.

Crie a sua emissora

As web rádios esportivas têm crescido tanto no Brasil quanto no Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, ter um canal online é vantajoso, pois as rádios tradicionais, não investem nas transmissões esportivas, explica Joel Silva. Isso abre espaço para as plataformas baseadas na internet se expandirem. Atualmente duas dessas emissoras brigam por profissionais e pela preferência dos ouvintes: Futebol na Canela e Esportes MS. No cenário estadual ambas disputam espaço com a MS Web Rádio, de Dourados. Todas as três podem ser acessadas por site próprio ou por um agregador de emissoras web como RádiosNet, que não tem custos para as rádios nem para os ouvintes.

A MS Web Rádio ocupa a primeira colocação entre as emissoras web mais acessadas no segmento esportivo em todo o país, sendo seguida pela Rádio Ouvinte Gospel, de Viamão, no Rio Grande do Sul. Isso destaca um diferencial das emissoras online, que é a possibilidade de ter sede em uma região e ser ouvida por pessoas em outras partes do país e mesmo no exterior.

Em terceiro lugar no ranking das web rádios desse segmento está a Esportes Total, de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, comandada por Aldo Luiz. O profissional está no ramo das web rádios esportivas desde 2015 quando trabalhou na emissora O Melhor do Futebol. Ele conta que sentiu a necessidade de criar o próprio conteúdo para poder mostrar seu olhar e suas opiniões sobre o esporte, e que foi isso que o fez investir na criação de uma plataforma de transmissão.

Infografia: Carolina Rampi

Aldo explica que é preciso investir, minimamente, no pagamento de um domínio na internet (entre 30 e 70 reais por mês), no acesso à internet (os planos variam de 100 a 180 reais, dependendo da velocidade), em um computador com boa configuração de som, e ainda no registro da web rádio em ao menos um site/aplicativo agregador de emissoras online, como a RadiosNet. Para o locutor, assistir aos jogos é preciso pagar um pacote de assinatura de um canal de TV fechado (como ESPN, que custa R$ 21, 90 por mês), mas isso também pode ser feito de modo gratuito pelo aplicativo Sportzone, via Youtube, outras redes sociais ou ainda por canais oficiais como TNT Sports.

“De fato, o custo de criar uma web rádio é menor do que montar uma web rádio convencional […]. Se pensar em profissionais qualificados e no pagamento mensal deles, mais os custos de abastecer um carro para o repórter percorrer os locais de pautas, manutenção de equipamentos (computador também desgasta), etc, acho que três mil reais não são suficientes. Na verdade, acho esse valor o mínimo que um jornalista deveria ganhar. Então, pensa numa equipe de, sei lá, três jornalistas. Nove mil reais só de salários, fora o resto. Agora se a ideia é criar a web rádio e alimentá-la com conteúdos que nada informam o custo reduz muito. Afinal, fazer porcaria é bem mais barato”, diz Clayton, criticando as rádios web que não contratam profissionais.

Mas é sem remunerar os ‘profissionais’ que muitas web rádio sem mantém. Isso fica muito mais fácil em função do trabalho ser totalmente online, pois os colaboradores podem residir em qualquer lugar do Brasil ou do mundo. É o que ocorre na web rádio Outra Dimensão, baseada em Cascavel, no Ceará, que consegue cobrir jogos de vários campeonatos. Essa dispersão também é uma vantagem para a rádio web quando o colaborador residir na cidade onde ocorre o evento esportivo, pois ele poderá transmitir ao vivo. Para isso é preciso obter uma credencial (documento que habilita a entrada do profissional na arena ou estádio) procedimento que difere de estado para estado.

Alguns donos de web rádio dizem que investem do próprio bolso para manter a plataforma funcionando, e que por isso não conseguem pagar salário para os membros da equipe de transmissões. Isso ocorre com a estudante do último ano do ensino médio, Stephanie Strecker, 17, de São José Del Rei, em Minas Gerais, colaboradora da web rádio Outra Dimensão, do Ceará. Ela viu nas web rádios uma oportunidade de iniciar a carreira jornalística, visto que não tem conhecimentos universitários de jornalismo. Atuando como ‘repórter’ a estudante já comanda o próprio programa, que tem transmissão pelo Facebook, e apresenta informações sobre jogos e seus placares. “Ele é na segunda-feira, e os jogos principais acontecem no final de semana. Aí na segunda eu separo os principais jogos e seleciono determinadas pessoas que irão participar do programa para falarem sobre as consequências, como vagas, rebaixamentos, técnicos, transferências enfim. Fazemos um resumo de tudo que aconteceu e eu apresento. O principal ponto do nosso programa é que ele é rápido, só uma hora”. Ela explica que participa da web rádio por gostar do mundo do futebol.

Joel Silva durante entrevista na rádio 104 FM
Foto: Acervo Pessoal

Para Clayton isso revela uma má estrutura empresarial. “Empresa boa é empresa que fatura a partir da valorização de seus profissionais. Patrão que não faz isso além de vigarista é incompetente e ponto. Se as web rádios se estruturam sob essa cultura de precarização de jornalistas, radialistas, técnicos etc., estarão condenados ao fracasso”.

Em algumas emissoras essa parece ser a busca no médio prazo. “O grande objetivo que eu tenho com a rádio Futebol na Canela é de fazer a gente receber salário […]. Isso leva tempo e é um trabalho lento e gradativo” explica Thiago. Ele conta que a emissora já possui apoio de alguns empresários, que compram pacotes de anúncios, mas diz não ter parâmetros para saber se o valor é alto ou baixo.

Mas mesmo quando não pagam nada alguns donos de web rádios podem exigir alguns critérios na hora de selecionar um colaborador da área. É necessário, por exemplo, ter conhecimento sobre esportes e boa dicção. Na maioria desses veículos de streaming não é exigido o curso de Jornalismo, porém, estudantes da graduação na área ou adolescentes se preparando para entrar na universidade procuram oportunidades nesse novo meio para aprender o funcionamento de uma web rádio, tornando a nova plataforma digital um portfólio para a carreira jornalística.

Trampolim jornalístico

Há quem procure nesses veículos uma forma de aprender sobre o jornalismo esportivo. O motivo é a facilidade de adentrar nesse meio, bem como o fato de que adquirir experiência é uma forma de se revelar para o mercado. Nas web rádios há ainda um grande número de jovens colaborando com a programação, por meio de comentários, sugestões ou troca de informações em redes sociais, local onde as rádios divulgam suas programações. Eles acabam sendo importantes para emissoras como a Esportes Total e a Outra Dimensão, que usam piadas e memes para alcançar o público jovem de forma mais descontraída.

Thiago Rezende e os colaboradores da rádio Futebol na Canela em narração de uma partida de futebol
Foto: Acervo Pessoal

Entretanto isso traz à tona um problema recorrente no meio que é a falta de formação para algumas pessoas que atuam na área e a precarização do trabalho jornalístico. “O curso de Jornalismo é fundamental e a exigência do diploma é o mínimo que se poderia fazer para elevar o nível da profissão. A responsabilidade do jornalismo é imensa e não pode ficar nas mãos de pessoas despreparadas” explica Clayton. Ele argumenta que o jornalismo é um trabalho técnico, intelectual e que exige preparação, não sendo uma comunicação trivial.

“Infelizmente no Brasil o diploma não é obrigatório para se exercer o jornalismo e isso não é algo especifico de web rádio. É para qualquer veículo. […] A gente tem sim que defender o diploma, não só por uma questão de valorização da profissão, mas uma questão de qualificação da informação que chega até a população. O jornalismo envolve uma série de técnicas, ele tem uma importância social muito grande. As informações precisam ser escritas e divulgadas de maneira responsável e ética, pois qualquer manipulação ou sensacionalismo pode ser extremamente prejudicial à sociedade como um todo”, diz Caroline.