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Opinião 97

Uma fortaleza chamada mãe

Vitória Martins


Nunca acreditei quando diziam que a cabeça da mulher muda quando ela se torna mãe. Até a minha mudar. E se pensar bem não é só a cabeça. É o corpo, rotina, vida, prioridade. Imaginar que continuo a mesma depois de enfrentar tantos desafios e ter visto minha barriga crescer por nove meses me parece errado. Não sou mais a mesma e acho que jamais voltarei a ser. Estrias surgiram pelo meu corpo, a flacidez invadiu-me por inteira, meu cabelo e unha se tornaram frágeis, abdiquei de algumas comidas que gostava, parei de sair com meus amigos, perdi inúmeras noites de sono, emagreci demais – e, enquanto amamentei não bebi uma gota de álcool sequer. Não me arrependo, e faria tudo de novo por ela.

Ilustração: Bianca Esquivel

A maternidade pode ser muitas coisas, mas não é nada romântica. Aprendi, cresci, vi quem realmente era amigo. Chorei solitária com minha filha no braço, e outras vezes no meu banho rápido enquanto ela dormia. Me senti sozinha diversas vezes e cheguei à conclusão de que para dar o melhor para minha filha teria que contar com uma única pessoa: eu mesma!

Antes de tê-la, achava a maternidade a coisa mais linda do mundo, romantizei. Eu queria e meu marido também. Não havia sido algo planejado, mas decidimos que a teríamos. Eu a recebi com todo amor, ele não. De repente me vi grávida, sozinha, estressada e sem um marido. Trabalhei até a trigésima semana da gestação, afinal, tinha que pagar minhas contas e comprar coisas para Estela. Nome escolhido por significar ‘estrela’.

Quando mais nova, tinha algumas conhecidas que eram mães e criavam seus filhos sozinhas. Na minha cabeça, eram mulheres guerreiras, dignas da minha total admiração. Desejava ser metade do que elas eram para seus filhos . Hoje, sendo também mãe solo, vejo que não queria isso no sentido literal. Não queria ter que ser guerreira como elas, ao menos não o tempo todo. O peso de fazer tudo sozinha é grande demais para uma única pessoa carregar. Não é justo, é cansativo e dá medo. Tenho medo e sei que sou corajosa ao assumir isso. Assumir o medo não é para qualquer um.

Sei que têm pessoas que me apontam na rua, e que sou motivo de comentários para muitos. “Abandonada pelo marido quando estava grávida, coitada”. Esse tipo de comentário me frustra, não pelo fato de não ter mais marido, mas porque sei que sou mais que isso. Sempre trabalhei e me virei. Não deixo faltar nada para minha filha. Tenho minha casa própria, minha falecida mãe a deixou como herança. Houve adaptações, é claro, escolhi trabalhar em casa por enquanto para ficar com ela. Ganho o suficiente para nós duas, mas não para contratar uma babá. Prefiro esperar até que Estela esteja crescida o bastante para colocá-la na creche aqui do bairro.

Confesso que muitas vezes demorei a levantar quando minha bebê começava a chorar no berço para mamar durante a noite. Ali, deitada no meu travesseiro solitário, desejava somente mais dois minutos com os olhos fechados, fingindo dormir. Mas esses dois minutos nunca se concretizavam. Levantava, afinal de contas, só eu poderia socorrê-la. Tínhamos apenas uma a outra.

Limpava casa, fazia almoço, trabalhava, cuidava de Estela e mal dormia. Heroína? Não, sobrecarregada. No final do dia estava exausta.

O cansaço que sinto todos os dias não me faz amar menos minha filha. Eu a amo como nunca imaginei amar alguém, mas estou extremamente esgotada. Fico irritada quando alguém fala que sou forte por fazer tudo sozinha, porque não é algo que foi natural. Fui obrigada a ser forte, e não há nada de romântico nisso. Superamos tudo pela pessoa que amamos.

Muitas vezes eu também quis colo, quis ser cuidada e bajulada, mas não tinha ninguém para fazer isso por mim. Então, minha única alternativa era ser forte. Por Estela. Porque eu era dela. Porque eu era mãe!