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Opinião 103

Uma greve se sobrepõe a uma tragédia?


A resposta é simples. Mas antes, é necessário entender o cenário geral.

Uma luta histórica, o reajuste salarial dos docentes é um tema discutido no mínimo uma vez por ano. Para que os direitos sejam respeitados e garantidos, é necessário fazer barulho, sair da cadeira, marchar e bater na mesa pelas reivindicações.

Para que eles sejam ouvidos, a greve é o meio de transporte. Importante e necessária, as mobilizações fazem parte da necessidade de exigir a reposição das perdas salariais – o motivo central – e, também, melhores condições trabalhistas, contra a precarização do ambiente de trabalho assistida ano após ano. Não vamos nem detalhar, aqui, por exemplo, o estado de alguns banheiros das universidades. Nosso assunto é outro.

Deflagrada nacionalmente em 15 de abril, aderida em primeiro de maio na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a greve dos docentes, veja bem, é uma ramificação da luta pelo direito trabalhista do servidor público, no nosso caso, servidor federal. No ambiente acadêmico estamos tão focados em nosso local que, por vezes, esquecemos que fazemos parte de um cenário maior. Além de professores e professoras, outros servidores públicos aderiram à paralisação. Técnicos, administração, e a enfermagem do Hospital Universitário que, apesar do acordo feito em maio deste ano, ainda conta com os servidores de regime único em greve.

Sim, a luta é antiga, constante e necessária. Este ano, contudo, precisamos considerar um acontecimento que, além do controle de qualquer um, mudou imediatamente a prioridade do Governo: as enchentes no Rio Grande do Sul (RS). Mais de cem mortos, 85 desaparecidos e 650 mil pessoas fora de casa, segundo balanço da Defesa Civil. Esse evento catastrófico, além de afetar centenas/milhares de vidas, causou enormes prejuízos econômicos e reconfiguração territorial em alguns casos. Um estado inteiro foi devastado por uma força da natureza que cientistas climáticos já previam e tentaram alertar.

Parte do conjunto de Mudanças Climáticas que acontece há alguns anos, as chuvas causadoras do aumento dos rios no RS são resultado do aceleramento natural do aquecimento global. O impacto da ação humana, que tem colaborado para esse aquecimento, junto ao fenômeno El Niño, contribuiu para o aumento da intensidade e frequência das chuvas no Sul. De acordo com um estudo publicado no grupo World Weather Attribution, daqui para frente, as chuvas serão de 6% a 9% mais extremas.
Frente a esse cenário sem precedentes, que fez centenas de vítimas no estado, o governo apresentou emendas para minimizar a calamidade: um investimento bilionário na reconstrução do estado sulista, o perdão da dívida pública de R$90 bilhões, promessa de compra de casas para famílias desabrigadas, antecipação de Bolsa Família, e a lista segue. Isso significa deixar as exigências dos docentes de lado? De certo modo não, afinal a proposta na qual o governo insistia propunha reajuste zero para 2024 desde antes dessa tragédia.

A empatia pelo RS é quase unanimidade, mas algumas opiniões exteriorizadas em diálogos sobre a greve, e para além, em grandes manifestações, pensam nas enchentes como um entrave à causa da educação. Na Marcha dos Trabalhadores em Brasília, no dia 22 de maio, por exemplo, enquanto se reforçava o sentimento de solidariedade, alguns declararam que “as enchentes colocaram os docentes de escanteio”. Os mais drásticos, afirmam que tirou o foco das reivindicações.

Pensamentos como esse são perigosos, provocam apoiadores da causa a deixarem a empatia de lado. A Associação dos Docentes da UFRPE (Adufepe), por exemplo, foi uma das que anunciaram o fim da paralisação no dia 19/06. Então, neste contexto, a resposta à pergunta inicial se torna, de fato, retórica. Uma greve se sobrepõe a uma tragédia? De um jeito ou de outro, a pauta perde espaço na mídia e nas prioridades governamentais mais urgentes. Dificilmente se sustenta uma mobilização dessa importância em meio a um desastre sem precedentes. Ainda não conseguimos mensurar a extensão dessa greve. Para o bem ou para o mal, a paralisação vai acabar. Este ano, não haverá mais vitória para ninguém.