Pesquisador da história de MS destaca a guerra com o Paraguai, a fronteira com a Bolívia e o bioma Pantanal como elementos na formação de um estado em resistência
Amanda Maia | Beatriz Rieger
O professor Valmir Batista Corrêa, 75, é pesquisador da história de Mato Grosso do Sul e tem mais de 16 livros publicados sobre o tema. Natural do estado de São Paulo, morou por 22 anos em Corumbá, foi docente do curso de História na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no campus de Corumbá, Secretário de Educação da cidade, vereador e se aposentou trabalhando na Pró-Reitoria de ensino da UFMS.

Projétil: Como você analisa a participação de Mato Grosso do Sul, na época ainda Mato Grosso, na Guerra com o Paraguai?
Valmir: A guerra com o Paraguai foi um momento histórico de separação, ocuparam o sul de Mato Grosso e depois ficou uma área desabitada, uma área que foi novamente reocupada e teve muitos paraguaios que vieram para cá. Mato Grosso do Sul era mais norte, e o pessoal daqui vivia quase que no apêndice de Mato Grosso. Tanto é que ainda hoje nesse sul, os paraguaios têm muita força na colonização, desde alimentação e bebidas, e isso foi formando o estado.
Isso é importante porque definiu um separatismo que vai se distanciando da região norte. Então pra mim, a guerra com o Paraguai foi um divisor de águas entre o norte e o sul, e que vai se moldando à essa história, essa ideia de reconstrução desse sul, porque essa parte ficou praticamente destruída com a guerra. A guerra foi uma destruição. Não falo que era identidade, mas a reconstrução de uma área que possibilitou a formação de um estado que hoje é extremamente importante.
P: Você acompanhou o processo de criação do Estado? Como foi essa mudança de Mato Grosso para Mato Grosso do Sul, e como isso impactou na formação da identidade sul-mato-grossense?
V: Primeiro lugar, eu não falo identidade, eu acho que é uma coisa que está se construindo. E até falam “eu tomo tereré”. Que identidade é essa aí? Eu penso que para você falar em identidade, tem que estudar a região, é o que eu faço.
Ninguém pensava [no nome] Mato Grosso do Sul, tem gente que falou em estado do Pantanal, tem também a história do estado chamar Maracaju. Mato Grosso do Sul foi uma ideia dos militares que não deram nem bola para os chamados separatistas aqui no sul. Aqui tinha a Liga Separatista, um monte de coisa assim.
Eu penso que Mato Grosso do Sul ainda está em fase de construção, não está acabado. Porque ainda não tem identidade. Até pouco tempo atrás eu via a gurizada aqui em Campo Grande sentada na porta de suas casas tomando chimarrão, tereré […] Eu acho que vai fazer parte da nossa identidade – chipa, tereré, sopa paraguaia – em algum momento isso vai ser uma identificação.
Eu acho que a regionalidade não é identidade, já fui xingado porque falo isso, mas não sou regional. As coisas são regionais, são costumes regionais.

P: Mato Grosso do Sul possui em seu território 60% do bioma Pantanal. Como isso influencia no estereótipo da cultura sul-mato-grossense?
V: O Pantanal é um bioma específico, de uma maravilha extraordinária que vale a pena conhecer. Sou fascinado no Pantanal, vivi 22 anos olhando aquela beleza. Acho que todo sul-mato-grossense, para falar em identidade, tem que visitar o Pantanal! Não que seja a identidade do estado, mas é um bioma característico. Tem costumes regionais, muitas características regionais também. Em Corumbá você vai ver peixe, saltenha, vai ter coisas do lado boliviano, uma cerveja boliviana.
P: Se fosse possível descrever a identidade sul-mato-grossense em uma palavra, para você, qual seria?
V: Para mim, o Mato Grosso do Sul é um corajoso. Primeiro pelo que viveu, pelo que vive, pela luta do dia a dia, pelas coisas que se perderam. Você vê […] essa barbaridade que fizeram com a Noroeste, tiraram a estrada de ferro. Eu tentei defender isso, defender um trem que saísse daqui e ia até a ponta. Você não precisava andar de ônibus, andava de trem aqui. Seria uma coisa maravilhosa, mas arrancaram todos os trilhos.
Ainda tem muita resistência. Eu diria coragem e resistência. Pela vida e pela luta. Não é brincadeira o que se fez nesse estado […] Essa coragem e essa resistência vão dar essa cor de identidade.