Idosos contrariam os estigmas que seguem a velhice e realizam seus desejos como quem tem pressa de viver
Texto: Brunna Paula | Heloisa Duim | Juliene Melo
De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2020, a população idosa sul-mato-grossense equivale a 15% dos habitantes do estado. As conquistas de Márcia, Jerusa e Seioki nessa fase vão desde atravessar o estado de moto, publicar um livro e até pular de paraquedas. Para eles, a idade nunca foi impedimento, pelo contrário, a cada aniversário celebram também sua paixão pela vida.
Ao atingir a velhice eles encontraram uma oportunidade de enfim realizar sonhos guardados, contrariando a crença geral. Segundo Eduardo Ramirez, cientista social que atua na área de direitos humanos desde 2008 e é membro fundador da Universidade Aberta à Pessoa Idosa (UnAPI) em Mato Grosso do Sul (MS), a sociedade tem uma expectativa de declínio para quem chega aos 60 anos. “Há uma tendência de olhar para as pessoas que envelhecem, como descartáveis. No geral, essa expectativa vinda de uma herança etarista e biológica é que essa seja a fase da decadência. Espera-se isso.”
Essa visão reflete o cenário de 2022. Na sociedade brasileira capitalista, de acordo com Eduardo, a população lida com a velhice do ponto de vista consumista. A trajetória das pessoas que integram a porcentagem já citada, se resume com trabalho, força de trabalho, lucro, e acumulação. As pessoas idosas tornam-se um “ônus”, alguém que não produz ou contribui para a comunidade, a despeito de qualquer tempo de contribuição já feita. “Elas têm esse valor, mas isso para o capital não vale mais”, afirma o especialista. Dessa forma, os idosos e idosas provam que os estigmas enraizados na mente dos mais jovens nem sempre (ou quase nunca) são justos.
Ladies of The Road
Márcia Terra tem 60 anos, nasceu em Dourados e com apenas dezoito se mudou para Campo Grande. Foi na juventude, que ela despertou a paixão pela velocidade. Acompanhando sua mãe nas idas à autoescola, não hesitou em responder sim, quando seu pai a perguntou se gostaria de pilotar. A partir daí, aos 12 anos, começou andar de moto. Atitudes como essas, para ela, são a manifestação de uma mulher sem medo e apaixonada pela vida.

Apesar de ter passado a adolescência toda em cima de uma moto, esse sonho foi interrompido aos 20 anos pelo nascimento de seus filhos. A velocidade só voltou a fazer parte da sua vida trinta anos depois, ainda que a sensação seja de que nunca tinha parado. Depois da aposentadoria, suas viagens só aumentaram quando colegas perguntam sobre o que ela anda fazendo. “Eu estou vagabundeando, e graças a Deus eu só tomo vento na cara. Meu remédio é minha droga, é o vento na cara”, responde.
Cada vez mais motivada a não parar de se aventurar, Márcia acredita que na moto não existe gênero, nem idade. E mesmo pilotando bem, carregando uma paixão pela estrada, comparações feitas sobre sua forma de pilotar e a dos homens são enfrentadas no Moto Club. “A Márcia dirige que nem homem” é uma frase frequente. “Quer dizer, por que tem que ser que nem homem? Eu não acho ruim não, mas tem que mudar isso, só homem que faz as coisas bem?”, expõe. Ela comenta que existem movimentos que buscam quebrar esse sexismo, utilizando a expressão popular “Pilote como uma garota” estampada em camisetas.
A jaqueta que usa para pilotar, por exemplo, carrega a frase Ladies Of The Road, que significa Senhoras da Estrada
Em meio às adversidades que enfrenta, a motoqueira tem descoberto a urgência pela vida. Márcia planeja seguir na estrada pelo menos até os 70 anos. Semelhante a sua paixão, o avanço da idade também tornou-se inegável, a lentidão nos reflexos que hoje sente com mais intensidade, é um exemplo. “Vai ficando muito difícil porque você coloca a sua vida e a do outro em perigo”, comenta. A motoqueira, que já foi até a Argentina pilotando, tem como objetivo realizar o desafio de percorrer os 79 municípios de MS, além de cruzar alguns países da América Latina, como o Chile. Quando questionada por não sentir medo em andar de moto, a aventureira é enfática. “Olha, para quem venceu um câncer, vou ter medo de andar de moto? Eu me considero uma sobrevivente, e tenho que ter orgulho da minha idade… Eu me sinto livre e muito poderosa por conseguir fazer isso, ter domínio de alguma coisa, conseguir fazer bem”.

Escrevendo para crianças
Aos 60 anos de idade, Jerusa Yahn é aposentada e ainda atua como assistente social, área em que trabalha há 36 anos. Recentemente, realizou seu sonho de menina ao publicar um livro de sua própria autoria. Desde jovem, sempre se interessou pela leitura e escrita, no entanto, com outras prioridades em mente, esse sonho só teve um final feliz em 2022. Com o sucesso no lançamento de sua primeira história, a vontade em trilhar esse caminho cresceu ainda mais. “Dino – o cachorro da casa da árvore”, é uma obra voltada para o público infantil e aborda a importância do animal de estimação em sua vida.

O início dessa aventura começou quando sua neta mais nova estava escrevendo um livro para a escola. Jerusa se questionou o porquê não fazer o mesmo. Ao pensar no que poderia ser atrativo para as crianças escolheu Dino como tema central de sua primeira publicação, por sentir que seu público-alvo iria se interessar pela história do seu dia a dia. “O amor que senti quando vi o animalzinho pela primeira vez, foi inexplicável. A partir daí, imaginei que as crianças gostariam de saber sobre essa relação”, declara.
Como conta Jerusa, o livro todo é narrado baseado em fatos vivenciados não só pela autora, como também por sua família – aqueles que foram inspiração para alguns de seus personagens fictícios. Apesar da veracidade dos fatos, a narrativa é guiada pela visão de Dino, seu primeiro cachorro. Ela desenvolveu a obra sozinha, desde a escrita à busca por editoras e ilustradores. Visando a qualidade do produto e a resistência que seu público-alvo exige, esteve presente em cada momento do processo até que de fato o livro se concretizasse.
“Foi algo inexplicável, ali, naquele momento, eu vi meu sonho se realizando e eu sinto que não só o meu como o de muitas pessoas também podem ser reais” – Jerusa Yahn
No lançamento do livro, em 15 de setembro de 2022, estiveram presentes 70 pessoas e Jerusa vendeu 100 cópias. Com uma expectativa grande para o aumento desse número, a escritora pretende promover a obra nas escolas da cidade e, quem sabe, até traduzi-la para o inglês com o intuito de vender em outros países. Sabendo que o caminho que escolheu é desafiador, afirma que irá insistir neste sonho editorial com persistência.
Apesar da carreira recente, Jerusa já planeja seus futuros passos como escritora. Sua próxima obra será voltada ao público adulto, tendo como ponto de partida a área da saúde, em específico os cuidados paliativos, tratamento multiprofissional que visa a melhoria de vida de pessoas com doenças graves. A ideia surgiu devido às informações escassas sobre o assunto, por conta de seu trabalho como assistente social. No entanto, ela ainda deseja focar nas crianças. “Pretendo escrever outros livros infantis e contar histórias sobre cultura, música e arte, direcionadas ao Pantanal”.

Pulando de cabeça
Apelidado como “pé na cova” ao dizer que é aposentado, Seioki Uehara diz não gostar da maneira como passou a ser visto após atingir a velhice. Nascido em Paulópolis-SP, com 78 anos, reside em Campo Grande, onde realiza sonhos e vive façanhas que não pôde exercer em sua juventude. As aventuras começaram aos seus 67 anos quando, aposentado, notou que a rotina monótona do seu dia a dia estava ocasionando crises no seu casamento. Com os filhos já criados e uma trajetória definida, ele encontrou a oportunidade de concretizar seus sonhos. Apesar de não ter tempo para o lazer em seu passado, devido aos estudos e ao trabalho, hoje em dia busca se aventurar naquilo que lhe convém, se jogando de cabeça em novos desafios.

Por sugestão de sua filha, Seioki passou a frequentar o Parque das Nações Indígenas localizado na capital do estado. Com a empolgação de estar em um novo ambiente, ele iniciou a prática de atividades físicas básicas, como caminhada. “Comecei a caminhar, depois a correr 100, 200, 300 metros e com o passar do tempo fui evoluindo”, relata.
Devido ao seu ótimo desempenho e a melhoria no condicionamento físico a partir desses exercícios diários, o idoso começou a correr maratonas de 5, 10 e até 42 quilômetros. Em sua primeira competição, passou por um momento de hesitação onde achou que não iria conseguir. No entanto, com o sucesso em percursos menores, decidiu participar da São Silvestre e participou da corrida por dez anos seguidos, tendo o objetivo participar até a centésima edição. “Falo pra minha esposa que mesmo que eu estiver de cadeira de rodas, eu vou participar”, declara.

Habituado à corrida, Seioki decidiu buscar novos hobbies. Em uma caminhada num local significativo para sua história de aventuras, se deparou com um evento de bungee jumping, e se interessou de cara.
Frente à prática desconhecida, no mesmo dia em que tomou conhecimento do esporte, Seioki saltou de 45 metros de altura
Na época, estava beirando seus 70 anos e, diferente de muitos jovens que veem certa limitação para a realização desse hobbie, ele não teve medo algum.
Com a experiência positiva em relação ao bungee jumping, o ex-peão de fazenda, após dedicar sua vida a capinar lotes, buscou uma aventura que o levasse ainda mais alto e o paraquedismo foi a satisfação desse desejo. “Eu gostaria de explicar a emoção que é pular de paraquedas, mas não tem como, só indo mesmo pra saber o quão boa é a sensação”, descreveu. Muitos desacreditam na coragem que ele tem para realizar todos esses feitos e o questionam, então, sobre o que seus familiares pensam sobre isso. A resposta do aventureiro é simples. “Tudo que eu fiz até hoje, que é considerado perigoso, como o bungee jumping e o paraquedismo, foi sem o conhecimento de minha família”.
Apesar de não ter enfrentado limitações na prática desses hobbies, Seioki diz que com o passar do tempo e o avanço da idade, não só ele como outras pessoas na mesma faixa etária precisam aceitar o fato de que há obstáculos para a realização de alguns sonhos. Mesmo acreditando nisso, ele incentiva todos aqueles que almejam se aventurar. “Nunca é tarde para fazer o que deseja e enquanto eu puder, eu estarei lá”.

Diante dessas realizações e conquistas, Eduardo Ramirez, cientista social que atua na área de direitos humanos orienta que todas as pessoas idosas comecem a pensar mais em si próprias. Apesar de ser a fase da vida que mais lida com estigmas, é um período assim como qualquer outro da trajetória humana, onde há desafios a serem enfrentados. Contudo, é, também, uma etapa que merece ser vivida com sonhos e com a coragem de ser feliz.
Mãos que inspiram
“Aprender música é uma história de 55 anos”, afirma Olimpio Darcy Schussler, que aos 62 anos retomou seu sonho de criança: aprender a tocar teclado. Nascido no interior do Paraná, sua primeira tentativa de aprender teclado ocorreu em 2014, mas parou por conta de adversidades. Em 2022, retorna às aulas na escola de música infantil Descobrindo Talentos, com o apoio da professora Mariana Prates.

A oportunidade de voltar às aulas gera esperança em Olimpio, que dessa vez está determinado a cumprir seu objetivo. Sua motivação não é obter sucesso com o instrumento, e sim aprender a tocar como sonhava na infância. Além disso, deseja tocar “parabéns para você” no aniversário de 101 anos de sua mãe, em janeiro de 2023. “Esse é meu sonho, e eu quero realizar lá no Paraná, onde vai ser comemorado”, pontua.
Questionado sobre suas dificuldades, o tecladista conta em forma de piada que é “saber tocar”. É nesse tom de alegria que narra sua identificação com Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Dessa forma, pretende ir do sertanejo ao forró, sempre em busca das notas certas.