Acompanhe neste “lead” jornalístico o desenrolar do movimento grevista na UFMS. Quando, como e por que tudo começou?
Texto: Ana Beatriz Leal e Raíssa Rojas
Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por que? Este é o lead – no jornalismo, representa toda informação básica de uma notícia – para compreender o cenário grevista que é uma realidade nacional em 2024, porém o foco da reportagem é a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), mais especificamente do campus de Campo Grande. O direito à greve é regulamentado pela legislação brasileira, na Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, sendo o último recurso para reivindicar investimentos e qualidade, no caso, das universidades públicas federais. O movimento grevista foi difundido entre as/os alunas/os como uma causa única, em que os técnicos e os docentes lutariam juntos. Porém, as demandas de cada categoria são diferentes, assim como o tratamento em relação às negociações.
Em 2023, o Governo Federal iniciou as negociações de recomposição salarial com as entidades representativas das e dos professores, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), e concedeu um aumento de 9% para a categoria dos docentes. Tendo em vista o hiato de seis anos na mesa de negociações, durante os governos de Michel Temer (PMDB) e Jair Bolsonaro (PL), as reivindicações foram retomadas e uma das justificativas mais repetidas pelos grevistas é que o governo atual, de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), possibilitaria negociações. Mas isso não aconteceu e os trabalhadores da educação se mobilizaram.
Inicialmente, a greve foi deflagrada pela filiação nacional do sindicato dos técnicos, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores e técnicos-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), no dia 11 de março de 2024. Em sequência, a filiação nacional dos docentes, o Andes, no dia 15 de abril. No momento em que a greve é deflagrada por um sindicato, é como se a coordenação se dissolvesse, existindo no lugar o Comando Local de Greve (CLG), formado por servidores da coordenação e da base (filiados) que organizarão as mobilizações.
Durante o mês de maio de 2024, o Projétil acompanhou assembleias e reuniões do corpo docente e técnico e também dos discentes, atos em defesa da educação, debates sobre o movimento em diferentes faculdades e outras tantas atividades relacionadas à greve. Nesse período, a UFMS tornou-se palco de incertezas sobre o futuro educacional e profissional de estudantes e servidores.
A Direção Nacional da Fasubra orientou que as entidades de base fizessem rodadas de assembleias desde a última semana de fevereiro até o primeiro dia de março. No estacionamento da reitoria da UFMS acontecia o primeiro ato público do Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino do Estado de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul (Sista-MS), junto com a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Adufms), no dia 22 de fevereiro. “Se não reestruturar, as universidades e todos os servidores públicos vão parar”, dizia uma das faixas. No site sistams.org.br, consta a chamada para o “belíssimo ato” com um trecho da música de Raul Seixas – Ouro de Tolo, com a justificativa de que não iriam ficar sentados no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar.
Em Assembleia, filiados/as do Sista-MS deliberaram greve em Campo Grande (MS) e em outros nove campus no dia 11 de março, no dia 14 iniciaram as movimentações. A maioria das publicações no perfil do Instagram do Sista, de divulgação dos atos desde a greve deflagrada, carrega uma pequena nota incluindo que todos os técnicos, sindicalizados ou não, são bem-vindos.
O Comando Nacional de Greve (CNG) é encarregado de fazer as principais articulações políticas, formado por representantes de sindicatos dos técnicos de cada universidade do Brasil, chamado de delegados, que atuam em um rodízio semanal. É por meio das assembleias que o CLG repassa as informações do CNG, além de articular propostas e discussões. Luiz Felipe Plaça, técnico-administrativo no curso de Física da UFMS há 13 anos, explica que 1% da mensalidade dos filiados dos sindicatos é direcionada para o fundo de greve. “Para gastar com material impresso, viagens para Brasília”.


No mês de abril começaram as reuniões, os atos e as assembleias referentes ao movimento grevista nas praças do Rádio Clube e Ary Coelho, em frente à Reitoria da UFMS, na entrada do Lago do Amor, entre outros locais na Universidade. As reuniões reforçavam a greve como uma atitude de responsabilidade social, em especial em 18 de abril, quando grevistas se dispuseram em ajudar o Centro de Hematologia e Hemoterapia de Mato Grosso do Sul (Hemosul) em uma campanha de doação de sangue.

As assembleias continuaram na capital sul-mato-grossense, assim como os atos em Brasília, porém as reuniões de mesa de negociação ficaram mais lentas, pois a atenção do governo federal se voltou ao Rio Grande do Sul (RS). Uma chuva forte se estendeu por mais de 10 dias e sobrecarregou várias bacias dos rios do estado, arrasando cidades inteiras com as enchentes. Em consonância aos movimentos grevistas, o Sista-MS promoveu campanha de arrecadação de alimentos e produtos não perecíveis para os desabrigados do RS.

O CNG convocou as seções sindicais à Jornada de Lutas em Brasília (DF). Assim, na assembleia do dia 16 de maio, o CLG do Sista organizou dois ônibus que foram a Brasília para os atos. Alguns pontos da proposta foram aceitos pelo Governo, incluída lateralidade da tabela salarial, manutenção dos cinco Níveis de Classificação, os mesmos Incentivos de Qualificação, entre outras.
O movimento estudantil se desmantelou após a pandemia da Covid-19 e o consequente afastamento social. O panorama grevista, de certa forma, uniu os estudantes. Muitos em busca de compreensão sobre as motivações grevistas, em meio à confusão acadêmica sobre a continuidade ou não das atividades em sala de aula.

Em todos os campus, a UFMS tem mais de 37 mil estudantes, com 25 mil da graduação e quase 12 mil da pós-graduação. Durante os meses de abril e maio, ocorreram assembleias estudantis dos Centros Acadêmicos (CA) para votação e debates sobre os três pontos principais da greve: a suspensão do calendário acadêmico, a possibilidade de paralisação estudantil e a solidariedade com a greve dos docentes e técnicos.
A suspensão do calendário acadêmico não é competência da Reitoria, e sim do Conselho Universitário (COUN), ainda assim o reitor garantiu que nada que afete os alunos (Restaurante Universitário, transporte, bolsas de iniciação científica e monitoria) seria cortado. A 4ª Reunião Ordinária do Conselho de Entidades de Base (CEB) aconteceu no feriado do dia do trabalhador, primeiro de maio, quando teve início a greve dos docentes. E por uma reunião no Google Meet foi decidido que os discentes montariam um Comando Geral de Greve, com um representante de cada CA.
Na primeira semana de maio, por meio do grupo de WhatsApp CAO – CAs Organizados, os alunos começaram a mandar uma relação dos cenários específicos. Nome do curso, nome do bloco/campus, situação do curso/professores diante da greve e se foram favoráveis ou não à greve estudantil e à paralisação do calendário acadêmico. O grupo contém 249 integrantes, de todos os campus da UFMS.

O ofício de convocação foi divulgado para todas as entidades de base para a Assembleia Geral Estudantil no campus de Campo Grande, em 29 de maio, com três pautas: debate sobre a greve dos docentes e técnicos e votação em relação ao apoio, suspensão do calendário acadêmico e repasses do DCE e das entidades de base. Os estudantes aprovaram a solidariedade à greve e foram a favor da suspensão do calendário acadêmico.

Quem quer ser professor/a no Brasil?
A UFMS é composta por nove campus espalhados pelo estado: Aquidauana, Chapadão do Sul, Corumbá, Coxim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas, além da Cidade Universitária em Campo Grande. Somando, a Universidade totaliza 1491 docentes efetivos, 59 substitutos e 28 docentes visitantes.
De acordo com a Andes, 60 instituições federais de ensino aderiram à greve e a UFMS está na lista. Como a adesão é individual, cada docente e técnico decide se pretende ou não parar. Mariuza Guimarães, professora de Pedagogia da UFMS e presidenta da Adufms, pontua que a greve é uma ferramenta essencial na luta da classe trabalhadora. “O nosso interesse não é o de esvaziar a universidade, mas sim de paralisar as atividades de ensino, pesquisa e extensão para chamar a atenção do governo no atendimento às nossas demandas”, explica.
Na Cidade Universitária as opiniões são divididas e os métodos para enfrentar esse período são variados. No curso de Artes Visuais, por exemplo, os estudantes do primeiro até o último semestre não estavam em aula. Já no curso de Medicina, os docentes se dividiram, atuando nos dois últimos anos do curso, enquanto os estudantes do primeiro ao quarto ano foram afetados pela greve. E há também aqueles que não pararam, como o curso de Jornalismo, que produz este jornal.

Além da recomposição salarial, outras pautas também fazem parte da reivindicação das categorias, como a melhoria das condições de trabalho, o aperfeiçoamento dos planos de carreira e a valorização dos servidores aposentados. Para essas demandas serem atendidas são necessárias negociações, feitas em âmbito nacional pelas entidades que representam os servidores. A Adufms é uma seção sindical da Andes, que faz parte do Fórum Nacional dos Servidores Federais (Fonasefe).
A luta dos servidores é conjunta, mas não é a mesma; são categorias e disputas diferentes. Em 21 de março, a Adufms definiu estado de greve, com paralisações pontuais. Durante o mês de abril, foram convocadas assembleias e reuniões semanais para abordar a deflagração do ato. No dia 23 de abril, o sindicato dos docentes deflagrou a greve e dia 29 do mesmo mês ocorreu a primeira reunião do comando de greve. Após nove anos da última paralisação da categoria em Mato Grosso do Sul, dia 1° de maio teve início mais uma greve dos docentes.
Durante o período de paralisações, quase três meses, algumas iniciativas foram criadas para manter estudantes e professores/as ativos na universidade. Uma delas foi o Cineclube Greve, uma adaptação de um projeto que já existia, mas tomou um novo viés para debater a importância das mobilizações. Professor do curso de Audiovisual da UFMS e organizador do projeto, Julio Bezerra, afirma que buscavam maneiras de conscientizar e sensibilizar os alunos e alunas em relação à greve, mostrar sua legitimidade, necessidade e demandas. A ideia consiste na projeção de filmes sobre o assunto, com temática de greve, sindicalismo ou classe/categoria abordada.
Durante o debate da primeira sessão, o professor Ricardo Cruz, do curso de Ciências Sociais, fez alguns questionamentos interessantes. “O que vai nos mobilizar além dos nossos interesses individuais?”. Afinal, por qual motivo os docentes que aderiram à greve continuam na universidade, trabalhando? Para o professor Régis Orlando, do curso de Audiovisual, estar em greve não é deixar de trabalhar e que se faz cada vez mais necessário ocupar a universidade.
Até o fechamento desta edição as categorias ainda viviam as incertezas da greve. O encerramento oficial da paralisação só acontece mediante assinatura de um acordo entre o Governo Federal e os grevistas. No dia 18 de junho a Adufms concordou com a saída coletiva da greve, seguindo a decisão tomada anteriormente pelo Andes, ao passo que o Sista assinou o acordo somente no dia 27 do mesmo mês, juntamente com a Fasubra. Com isso, os estudantes da UFMS aguardavam as reposições das aulas para encerrar o primeiro semestre de 2024.